segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O PAPEL SOCIAL DA FILOSOFIA

Relação entre Ética e Ciência. o papel social da ciência e o ensino da ciência.
Fabiane weber da Silva[1]

Introdução

Poucos nomes são de fato relevantes, no decorrer da história, quando falamos da disciplina Ética. Talvez possamos começar por citar Aristóteles, que sistematizou esta disciplina em três tratados (Ética a Nicômaco, Eudemo e a Grande Ética), também não deveríamos deixar de citar a outros autores, como a exemplo N. Maquiavelli, o qual nos apresenta o humano na sua vivência diária, mostrando-no o que ele, por vezes, de fato é, o que se bem que não seja um tratado sobre a forma ideal do homem conviver em sociedade, é um tratado sobre a forma factual como o humano vive em sociedade.
Seguindo nesta linha de pensamento, chegamos a I. Kant, talvez conjuntamente com Aristóteles, sejam os dois maiores expoentes do pensamento ético. Kant fundamentará sua Ética no indivíduo racional, criador de máximas que podem vir a se tornarem leis sócio-culturais cuja obediência se dá pelo respeito e dever auto imposto e não por sofrimento e dor infringidos externamente no caso de desobediência dos mesmos, ou seja, é o dever e não o temor a mola mestra do proceder ético segundo Kant. Uma mesma ação passa a ser vista ora como Ética e ora como não Ética, de acordo com os sentimentos subjetivos nela envolvidos.
Todos os anteriores a Kant viram somente os aspectos objetivos da Ética, ou seja, a ação executada, o efeito externo e não interno da mesma. Caberá a Kant realçar, também, os aspectos subjetivos do proceder Ético. Ora, se um indivíduo executa uma dada ação por temor às conseqüências que poderiam advir da não execução da mesma, seu proceder não pode e não deve ser considerado como ético, se bem que a ação em si, livre do indivíduo que a executa, o possa ser.
Uma ação só será vista como um comportamento ético por parte do indivíduo quando os fatores internos envolvidos o motivam a executar a mesma por um profundo sentimento de respeito à lei e jamais por temor ou na expectativa de recompensas futuras.
A Ética em Kant, portanto, traz esta e outras novidades para o domínio desta disciplina, fazendo com que o nome de Kant deva ser associado entre os maiores pensadores a apresentarem reais contribuições a esta importante disciplina.

Ética

Ética é a ciência da moral. O Ético é o concernente à moral. Moral: parte da Filosofia que trata dos costumes ou dos deveres do homem. estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade ou de modo absoluto.
Immanuel KANT, na Crítica da Razão Pura (1781), distingue ética e moral, ao afirmar que o homem é livre e que encontra em si mesmo o guia de sua ação, a lei moral, um imperativo categórico que o faz agir de acordo com sua natureza, a qual distingue, de maneira inata, o certo e o errado. Só quando alguém faz alguma coisa por considerar seu dever seguir a lei moral é que se pode então falar em ação moral. Só quando agimos segundo a lei moral é que agimos em liberdade. (História do comerciante que devolve o troco correto à menina ingênua: ao agir por dever, tem uma atitude moral; ao agir conforme o dever respeita a ética dos negócios).

Ciência e Ética

Não é só em relação á possibilidade de verdade das teorias científicas que a filosofia da ciência deve se debruçar. Outras questões ainda surgem no mundo contemporâneo em relação à ciência. Elas dizem respeito ao sentido, ao valor e aos limites éticos do conhecimento científico.
O termo “bioética” foi introduzido na década de 70 pelo biólogo e oncologista Van Rensselaer Potter. O biólogo procura mostrar que os valores éticos não podem estar separados dos fatos biológicos. Com o avanço da medicina, especialmente da tecnologia biomédica, novos problemas foram colocados frente ao homem, e Potter, nesse sentido, defendeu que a necessidade de uma ética da vida se fazia presente para além das universidades, tendo que estar mais próxima das conquistas da ciência que afetavam a vida humana.
Antes da introdução do termo “bioética” por Potter, porém, o mundo vivenciou experiências marcantes contra a vida. Ao final da Segunda Guerra Mundial, o Julgamento de Nuremberg no ano de 1945 tornou públicos os horrores cometidos contra os prisioneiros nos campos de concentração, os quais se realizaram em nome da pesquisa científica, do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Um exemplo de experiências realizadas nos campos de concentração nazistas consistia em acompanhar o desenvolvimento de doenças como o tétano em mulheres, as quais recebiam injeções que continham as bactérias responsáveis pela doença. As infecções eram induzidas pelos médicos, e a aplicação de anestésicos não era feita para não comprometer o caráter científico da pesquisa. As experiências, portanto, voltavam-se apenas para a observação do desenvolvimento da doença, mas não incluíam qualquer tipo de tratamento.
A filósofa e socióloga de origem alemã naturalizada norte-americana Hannah Arendt (1906-1975), em seu livro Eichmann em Jerusalém, investigou a brutalidade do regime nazista, apontando como uma das sua principais características a forma racionalizada com que foi feito o extermínio de seis milhões de judeus nos campos de concentração. O emprego da tecnologia, ou seja, das câmaras de gás e dos fornos crematórios, era um procedimento frio, burocratizado, uma operação feita por funcionários públicos. Eichmann é o nome de um desses funcionários de Hitler, a quem Arendt identificou como um produto típico do regime nazista.
Analisando as condições em que se tornou possível o extermínio de um número tão grande de pessoas, Hannah Arendt concluiu que isso se deveu á banalização do mal, obtida através de uma prática cientificamente programada e racionalizada.
O surgimento da bioética nos Estados Unidos está ligado a alguns fatos que provocaram indignação pública em função do total desrespeito à vida humana. Em 1963, foram realizadas pesquisas com idosos, os quais receberam células tumorais sem que tivessem dado seu consentimento. Outra pesquisa realizada envolveu 400 negros portadores de sífilis, que, a partir dos anos 40 até a década de 70, foram investigados a fim de que o desenvolvimento natural da doença no organismo humano pudesse ser conhecido. Essas pessoas, portanto, foram deixadas sem tratamento, embora a penicilina já tivesse sido descoberta em 1945.
Para que abusos como esses não voltassem a ser cometidos, era preciso pensar os problemas suscitados pelo desenvolvimento da pesquisa biomédica e pela utilização de novas tecnologias a partir de bases que pudessem justificar determinadas práticas e condenar outras que atentassem contra a humanidade, o que seria possível através de uma reflexão ética sobre essas novas questões.
Diante desses fatos, foi criada em 1974, nos Estados Unidos, a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos da Pesquisa Biomédica e Comportamental, para que as pesquisas que fossem realizadas a partir de então pudessem se guiar por princípios éticos que respeitassem a vida humana.
Em 1978, o Relatório Belmont, marcando o surgimento da abordagem principialista na bioética. O documento elaborado pela comissão apresentou três princípios éticos que deveriam nortear a realização de pesquisas envolvendo seres humanos, quais sejam, o princípio do respeito pela pessoa, o princípio da beneficência e o princípio da justiça.

➢ O princípio do respeito à autonomia
Respeitar a autonomia de uma pessoa implica reconhecer o direito dela ter suas próprias concepções, de fazer suas escolhas, bem como de agir em conformidade com seus valores e crenças. Esse respeito deve ser um reconhecimento permanente de que as pessoas têm direito de atuar em concordância com suas próprias convicções. É por isso que respeitar a autonomia não significa somente não intervir nas escolhas dos indivíduos, mas também propiciar as condições para que as ações autônomas possam ser realizadas. Isso se faz evitando as circunstâncias que podem impedir as pessoas de atuarem autonomamente, como, por exemplo, por medo ou diante da falta de conhecimento acerca de uma situação. O respeito à autonomia, portanto, é uma ação que se dá quando o direito da autonomia das pessoas é assegurado, reconhecido e promovido.

➢ O princípio da não-maleficência
O princípio da não-maleficência está intimamente ligado à máxima “Primum non nocere”: “Em primeiro lugar, não causar dano”. Esse princípio possui uma longa tradição na ética médica, pois tem suas origens no Juramento Hipocrático seguido por todos os médicos. Dessa forma, apresenta-se como um princípio de relevância na prática moral, especialmente na prática biomédica, já que serve como orientação efetiva aos profissionais da saúde.

➢ O princípio da beneficência
Um ato beneficente pode ser classificado como aquele que proporciona um bem a alguém. Ações beneficentes, portanto, são todas aquelas que beneficiam as pessoas. Já o princípio da beneficência tem caráter imperativo, expressa uma obrigação moral de agir em benefício das pessoas. A beneficência, assim, distingue-se da benevolência, que pode ser caracterizada como uma virtude que leva o agente a praticar atos beneficentes. O princípio da beneficência exige das pessoas que elas ajam de forma a promover o bem.

➢ O princípio da justiça
O termo “justiça” é interpretado a partir da justiça distributiva e se relaciona à “distribuição igual, eqüitativa e apropriada, determinada por normas justificadas que estruturam os termos da cooperação social”, Nesse sentido, a justiça distributiva difere de outros tipos de justiça, como é o caso da justiça penal, a qual está relacionada à aplicação de sanções. “A justiça distributiva refere-se, geralmente, à distribuição de todos os direitos e responsabilidades na sociedade, incluindo, por exemplo, direitos civis e políticos”

O Papel Social da Ciência

A humanidade necessita, urgentemente, de uma nova sabedoria que fornecerá o “conhecimento de como usar o conhecimento” para a sobrevivência do homem e para a melhora na qualidade de vida. Esse conceito de sabedoria como guia para a ação – o conhecimento de como usar o conhecimento para o bem social – pode ser chamado Ciência da Sobrevivência, certamente o pré-requisito para melhorar a qualidade de vida. Eu tomo a posição de que a ciência da sobrevivência deve ser construída sobre a ciência da biologia e estendida para além dos limites tradicionais para incluir os elementos mais essenciais das ciências sociais e humanidades, com ênfase na filosofia em sentido estrito, “amor da sabedoria”. Uma ciência da sobrevivência deve ser mais que apenas ciência, e eu, por essa razão, proponho o termo Bioética a fim de enfatizar os dois mais importantes ingredientes para alcançar a nova sabedoria que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos.
Essa nova ciência possibilitaria a reflexão sobre os avanços da ciência tanto quanto sobre os seus limites, a fim de que o futuro da humanidade pudesse ser garantido e a melhoria da qualidade de vida das futuras gerações alcançada. Para isso, “um instinto de sobrevivência não é suficiente. Nós devemos desenvolver a ciência da sobrevivência, e ela deve começar com um novo tipo de ética – a bioética”(Potter, 1971,p 4)

O Ensino de Ciências
O Conhecimento Científico pode ser: real ou factual - lida com ocorrências, fatos, isto é, toda forma de existência que se manifesta de algum modo. Contingente - suas proposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida através da experimentação e não pela razão, como ocorre no conhecimento filosófico. Sistemático - saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias (teoria) e não conhecimentos dispersos e desconexos. Verificável - as hipóteses que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência. Falível - em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final. Aproximadamente exato - novas proposições e o desenvolvimento de novas técnicas podem reformular o acervo de teoria existente.
A Ciência como vimos é ensinada por intermédio de várias técnicas, um conjunto de conceitos, noções e experiências que determinam o caráter científico. Além disso, mais do que apresentar soluções, a contribuição das ciências para o avanço do conhecimento se concentra em identificar os problemas emergentes da sociedade.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
POTTER, V. R. 1971. Bridge to the Future. New Jersey, Prentice-Hall/Englewood Cliffs.
KANT. IMMANUEL Crítica da razão pura. Tradução de Manuela P. dos Santos e Alexandre F. Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
______. Crítica da razão prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
[1] Professora de filosofia licenciada pela Universidade Federal de Pelotas

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