domingo, 9 de março de 2008

Parmenides



PARMÊNIDES DE ELÉIA (cerca de 530-460 a.C.)
Parmênides nasceu em Eléia, hoje Vélia, na Itália. Foi discípulo do pitagórico Ameinias e mostrou conhecer a doutrina pitagórica. Provavelmente também seguiu as lições do velho Liquenófane. Em Atenas, com Zenão, combateu a filosofia dos jônicos. Floresceu por volta de 500 a.C.. Platão afirmou que Parmênides esteve em Atenas, onde se encontrou com o jovem Sócrates e que, na ocasião, tinha 65 anos. Enquanto os milésios e Heráclito escreveram em prosa, Parmênides foi o primeiro filósofo a expor suas idéias em verso. Seu famoso poema, do qual restam alguns fragmentos, está escrito em hexâmetros (influência provável de Xenófanes) e, nele, o filósofo-poeta se apresenta como o Escolhido, conduzido pelas Filhas do Sol à sua Musa, que, com a permissão da Justiça, revelalhe a Verdade e toda a Verdade. O poema é conhecido como “Sobre a Natureza” (não se tem certeza se seria o título original ou o título tardio, sempre dado às obras dos pré-socráticos). A obra se divide em duas partes, após um preâmbulo. A primeira ficou conhecida como a Via da Verdade (¢l»qeia) e a segunda como a Via da Opinião (dÒxa). Da primeira, há numerosos fragmentos, mas da segunda restam poucos. Para muitos, a obra ergue-se contra o pitagorismo (a dualidade par-ímpar como origem da ordem do mundo) e contra Heráclito (o fluxo perpétuo e a identidade do uno e do múltiplo). É sintomático que o poema fale em duas vias ou dois caminhos que correspondem à diferença entre a palavra inspirada (¢l»qeia), a verdade como não-esquecimento do que foi contemplado no invisível, e a palavra leiga das assembléias (dÒxa), a verdade como decisão e opinião compartilhada nas discussões públicas.
Ele foi estranho e enigmático para os próprios gregos contemporâneos de Parmênides. É que nas fórmulas extremamente condensadas de seus versos estão colocadas as questões fundamentais que, doravante, ocuparão a filosofia.
Que está dizendo Parmênides?
Que o ser é e o nada não é .
Que o ser pode ser pensado e dito.
Que o nada não pode ser pensado nem dito.
Que pensar e ser são o mesmo.
Que, portanto, o nada é não-ser e impensável.
Que dizer e ser são o mesmo.
Que, portanto, o nada é não-ser e indizível. Mas que significa isso que Parmênides está dizendo? E por que afirma ele que isso é o que a Deusa lhe mostra na Via da Verdade, oposta à Via da Opinião que os mortais costumam seguir? Para muitos intérpretes, Parmênides teria, pela primeira vez, formulado os dois princípios lógicos fundamentais de todo o pensamento: o princípio da identidade — o ser é o ser — e o princípio de nãocontradição — se o ser é, o seu contrário, não-ser, não é. Em outros termos, se o ser é e pode ser pensado e dito, então o ser é ele mesmo, idêntico a si mesmo e será impossível que seu negativo, o nada ou não-ser, também seja e também possa ser pensado e dito. A afirmação do ser exige a negação de seu oposto, o não-ser. Parmênides teria descoberto a lei fundamental do pensamento verdadeiro, pela qual é impossível afirmar ao mesmo
tempo uma coisa e seu contrário. Ora, é próprio da dÒxa permitir e estimular o confronto de idéias contrárias, aceitando igualmente a validade de ambas. Se assim é, então a Via da Opinião é aquela que não respeita a identidade e a não-contradição, e por isso é a via do falso. Para outros intérpretes, porém, o mais importante na formulação parmenidiana não é seu aspecto lógico (este aspecto seria apenas um derivado ou um efeito) e sim seu aspecto ontológico. Ou melhor, com Parmênides teria nascido o que conhecemos como ontologia. Por que ontologia? No grego, o particípio presente do verbo ser é (masculino, feminino e neutro) e, no dialeto jônico, empregado por Parmênides, esse particípio é Ÿwn, Ÿousa, ™Õn. Esse particípio pode ser usado como substantivo singular e plural, no masculino, no feminino e no neutro. Os usos substantivados mais freqüentes eram:
no masculino singular, o que é ou aquele que é e, no masculino plural,os viventes, os que vivem;
2) no neutro singular, tÒ Ôn (™Õn), o ente, o ser; no neutro plural, as coisas existentes. Usando-se a partícula negativa m», pode-se dizer: o não-ente, o não-ser; e no plural , os não-entes, as não-coisas, os não-seres. Ontologia é, portanto, o estudo do ser ou o pensamento do ser. Essas palavras encontram-se em todo o poema de Parmênides e nos trechos que foram estudados, e é por isso que muitos intérpretes consideram que a ontologia nasce quando Parmênides afirma que a ¢rc» é o ser ou o que é, o ente — e que o não-ser, o não-ente — não é . E convém observar a radicalidade de Parmênides: ele não considera que podemos pensar e dizer o que existe e não podemos pensar e dizer o que não existe, e sim que o que é pensável e dizível existe, e que o que não é pensável nem dizível não existe. Pela primeira vez é afirmada a identidade entre ser, pensar e dizer, ou entre mundo, pensamento e linguagem. Tal identidade é o núcleo da ontologia parmenidiana ou a Via da Verdade. Por que a opinião (dÒxa) é o caminho do não ser? A que se refere a opinião? Ao que parece ser de um certo modo, mas nada impede que pudesse ser de outro para uma outra pessoa, ou em outro momento de nossa vida. Nela exprimimos nossas preferências, nossos sentimentos e interesses, que variam de pessoa para pessoa e variam numa mesma pessoa, dependendo das circunstâncias. A “Opinião” são opiniões instáveis, mutáveis, efêmeras e por isso no fragmento 1, 53 do poema de Parmênides diz: “as opiniões dos mortais, em que não há verdadeira fidelidade”, isto é, em que não podemos confiar nem nos fiar, pois mudam sempre. Referindo-se ao que nos parece ser “assim” mas poderia ser de outra maneira, a dÒxa depende das variações de estados de nossos corpos e das situações de nossas vidas.
Porém, não só isso. Sua variação contínua indica que nela não temos conhecimento verdadeiro daquilo que é, do ser, mas apenas o conhecimento das aparências das coisas, isto é, de como elas aparecem aos nossos órgãos dos sentidos. Ora, o que é uma aparência? Aquilo que pode deixar de aparecer como está aparecendo, aquilo que poderia não ser tal como aparece. Em outras palavras, se a aparência é o que alguma coisa nos parece ser, mas pode não ser tal como aparece, então ela é o não-ente, o não ser. Se o ser é o que permanece sempre idêntico a si mesmo, onde melhor se mostra a aparência enquanto aparência? Na mudança contínua. No deixar de ser uma maneira para tornar-se de outra. Numa palavra, no devir, no incessante vir a ser em que as coisas se tornam outras, tornando-se o que não são. O devir é movimento, mudança qualitativa, quantitativa e local. Por isso o movimento é o campo principal da aparência e da opinião: as coisas parecem mudar e as opiniões mudam com elas. O devir é aparência mutável, é o não-ser.

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