domingo, 26 de outubro de 2008


Platão
Justiça uma Teoria das virtudes

Acadêmica: Fabiane Weber
Professor: Denis Coutinho

Introdução
A justiça sempre foi e será centro de grandes discussões, bem como, objeto de estudo do Direito, a saber, pois é devido a ela que se norteia toda a fundamentação do Direito. A justiça então rege o ordenamento jurídico e é ordenada pela Filosofia. Ou seja, é a Filosofia que vai dar o fundamento desta, afim de regular o agir humano.
Ao longo da história da filosofia, diversos pensadores dedicaram sua vida á tentar fundamentá-la. Platão foi um destes gênios da dialética à se dedicar ao seu estudo, tanto no Górgias como na República o diálogo central se da sobre o que é a justiça?
Platão sempre expôs suas idéias em forma de diálogos, sendo Sócrates seu interlocutor, rebatia todas as teorias sobre justiça que lhe era contrária. Sócrates refutou todas essas teorias com genialidade, desde os antecedentes da justiça como Homero e Hesíodo que tinham uma visão religiosa de justiça, até os sofistas, seus adversários mais consistentes, que tinham um visão de justiça subjetiva e totalmente emotivista.
O jovem Platão estava muito ligado aos diálogos socráticos, onde as aporias eram apenas uma forma de questionamento, já na Republica uma obra da maturidade de Platão, o filósofo mostra sua consistente teoria da justiça, como uma teoria das virtudes. Onde a base da política de Platão é sem dúvida nenhuma a educação, a saber, esta é o critério para a ascensão dentro da pólis. onde cada cidadão passa por um processo educacional próprio, que irá determinar sua classe social.
O objetivo deste artigo é relatar a visão de Platão sobre justiça na sua obra intitulada de República ou Res publica, cujo a tradução correta é Politéia ou constituição.
Justiça Uma teoria das Virtudes
É essencial antes de entrarmos no estudos dos diálogos da República, fazer uma análise rápida dos diálogos do Górgias. Nestes diálogos através de Sócrates, Platão já começa a esboçar sua teoria das virtudes, refutando o próprio Górgias,Pólo e Cálicles.
Górgias quanto a definição de retórica, que este defendia como sendo a arte da persuasão e que seria capaz de ensinar a retórica a qualquer um que quisesse aprender. A retórica era a arte utilizada nas assembléias e nos tribunais, sendo o objeto do discurso o que era o injusto e justo.
Sócrates refuta Górgias
1 da seguinte maneira, afirmando que o retórico pode fazer mal uso da Retórica. visto que, ela pode levar a dois tipos de persuasão. Ao que leva as “doxas”, ou seja, opiniões que podem ser verdadeiras ou falsas e o que leva ao verdadeiro conhecimento “episteme” ou ciência. Além disso Sócrates afirma que o bom orador se for justo jamais fará o mal uso da retórica, levando Górgias a contradição.
Sócrates refuta Pólo
2 quanto à sua tese, Para o sofista é melhor cometer a injustiça do que sofrê-la. Ou seja é justo retribuir o mal com o mal,3 Pólo argumenta que muitos Homens que praticam o mal são felizes.
Sócrates discorda deste pensamento dizendo que a felicidade é um bem, sendo um bem ela é uma virtude e a infelicidade é um mal, que leva a um vicio. Portanto a justiça é uma virtude,é um critério moral,é como devo me ordenar para o agir corretamente.
A refutação de Sócrates a Pólo
4 é a seguinte: é mais feio cometer a injustiça do que sofre-la, ou seja, não devemos retribuir o mal com o mal. Aqui vem à tona a idéia platônica de belo referente ao bom, assim como o feio referente ao mal. As virtudes relacionadas ao bom são: coragem, temperança e justiça, os vícios ligados ao mal, covardia, intemperança e injustiça.
No terceiro diálogo, Cálicles retoma o debate sobre justiça, Afirmando que o homem deve seguir a justiça natural,ou seja, os seus desejos e apetites, há aqui uma distinção entre justiça natural (physis) e justiça legal(nomos). Pois para a justiça legal não é correto cometer a injustiça ao contrario da justiça natural, defendida pelos sofistas.
Até aqui vimos como Platão define a justiça, como sendo uma virtude, um critério moral, um bem. É de fundamental importância entender os argumentos sofísticos bem como o pensamento platônico nesses diálogos da fase socrática, para poder estabelecer a base do pensamento platônico.
A Republica
Livro I
Platão desenvolvera neste livro, além de sua teoria da justiça, também toda uma estrutura da cidade ideal, onde o homem vive em harmonia segundo uma ética das virtudes. Vamos estudar agora essa estrutura aporética dos diálogos da Republica.
O livro I serve apenas de prelúdio para o livro II, nele é estabelecido o tema central dos discursos que se seguem. Platão interroga sobre o que é Justiça? Se ela é uma virtude ou um vicio, ou seja, sabedoria ou ignorância? Quem é mais vantajosa para quem pratica a justiça ou a injustiça? A justiça traz felicidade?
Esses como vimos são os temas a serem discutidos nesses diálogos, porém, como vimos, já vem sendo analisado cuidadosamente por Platão desde o Górgias. Nestes discursos, Platão por intermédio da dialética e ironia socrática, vai refutar novamente as concepções de justiça do senso comum. Seus interlocutores nessa tarefa serão; Céfalo, Polemarco, Trasímaco e Glauco.
A primeira Concepção de justiça que Sócrates refuta é de Céfalo, que era “ Dizer a verdade e retribuir aquilo que se tomou”
5, mas Céfalo admitia que a particularidades da ação deve ser levada em consideração.
A refutação de Sócrates a Céfalo é a seguinte.
“...Quando alguém, de um amigo que estiveres em seu juízo perfeito recebesse armas, se estando fora de si, ele as pedisse de volta, todo mundo diria que não deveria devolver tais armas e que não agiria com justiça quem as devolvesse.”
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Sendo assim Sócrates afirma que podemos agir justamente ou injustamente dependendo da situação em que estamos. Devolver as armas á alguem fora do seu juízo normal, pode ser injusto.
A seguir Polemarco segue a discussão e refere-se ao poeta Simónides quanto a sua concepção de justiça, que é “ restituir a cada um o que lhe convém”
7. Sócrates rebate dizendo que essa concepção de justiça pode levar a dois opostos, “fazer o bem aos amigos e mal aos inimigos”8 e afirma que o Homem justo jamais será capaz de cometer injustiças, ou seja fazer o mal a outro.
A segundo concepção de justiça é de Trasímaco “Justiça é aquilo que é conveniente ao mais forte”
9, é justo os mais poderosos governarem os mais fracos e a estes só cabem á obediência e a submissão.
Sócrates refuta à Trasímaco
10 da seguinte maneira, “os governantes podem usar o poder para seu próprio beneficio, argumentando que sendo a política uma arte essa como tal, o seu fim deveria ser querer o bem, ela não poderia então, fazer o mal ou agir incorretamente”. E retomando a refutação á Cálicles no Górgias, reafirma que a sabedoria do Homem justo está ligada à sua conduta moral.
Karen Franklin da SILVA em seu artigo “Uma Concepção de justiça em Platão e Rawls” coloca que: A força do homem justo esta no princípio de união que este tem com seus companheiros e, por isso, é mais feliz. Além disso complementa.
Essa teoria da justiça que Platão delimita nessa resposta, abre caminho para a legitimação da consciência da associação de homens na cidade e também para a teoria da função especifica de Homem deve ter nessa associação....Platão procura mostrar que a justiça não é um código convencional de conduta, mas uma excelência interna da alma.
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A terceira concepção de justiça é de Glauco que estaremos estudando no decorrer deste artigo.
Livro II
Neste livro é de fundamental importância ressaltar primeiro à definição de dois tipos de Bem, o Bem Aparente e o Bem Real. O bem aparente é particular, é aquele expresso pelos sentidos, é o prazeroso. Já o bem real é dado por Platão, como o mundo inteligível ou da razão, da ciência, do conhecimento verdadeiro.
Platão ainda faz uma outra distinção de bem, que é qualificada por sua importância na formação de cada cidadão dentro da cidade.
Bem em si mesmo- que é alegria
Bem por suas conseqüências – que é a inteligência
Bem por sua utilidade- a ginástica
Glauco mostra-se contrário desde o começo à intenção de Sócrates de definir a justiça, como um bem em si e por suas conseqüências, visto que, acreditava que o homem só praticava a justiça involuntariamente
12, ou seja, sob manto da impunidade todos agem injustamente.
Glauco defende a justiça como um bem por sua utilidade, a injustiça é mais vantajosa que a justiça nesse caso, visão totalmente consequencialista e utilitarista A justiça então é apenas um contrato social
13 feito entre os homens. segundo Glauco não precisamos ser éticos, devemos apenas parecer éticos, pois nossos atos são realizados, de acordo com as regras impostas pela sociedade.
Para se contrapor a idéia sofista de justiça, Sócrates elabora o argumento da função de cada coisa. Onde cada coisa tem sua função que lhe é própria e cada função corresponde ao que cada um pode fazer da melhor maneira,cada coisa possui uma excelência própria. A função própria ou “Ergom” do Homem é a racionalidade.
Livro III
É neste livro que Platão Para responder a Glauco cria a pólis, ou a cidade ideal. Estabelecendo a função de cada um dentro da cidade de acordo com sua função própria ou de acordo com a sua virtude. Platão relaciona as partes da alma com a posição social. Afirmando ainda que, a virtude da “moderação” deve ser comum à todos os indivíduos, a “Coragem” é própria do Guerreiro ou soldado- guardião, enquanto a “Sabedoria” é única do Governante, pois só o Rei-Filósofo possui a capacidade de governar.
Platão caracteriza assim a Republica.
Função da Alma
Virtude
Função na Pólis
Classe Social
Desejo
(epithymia)
Moderação
Subsistência
Artesão, comerciantes
Querer
(thymos)
Coragem
Proteção
Soldado ou Guardião
Razão
(Nous)
Sabedoria
Governo
Guardião
Rei Filósofo
A partir dessa divisão e com o argumento da função própria de cada coisa, se estabelece as relações interpessoais dentro da pólis. Além disso, já fica clara a idéia de Justiça para Platão, como uma síntese dessas virtudes. Virtude é entendida aqui como uma capacidade que o homem possui em ser melhor.
A relação entre as partes da alma e da cidade pode ser entendida melhor nessa definição de Giovanni Reale em sua História da Filosofia.
“Assim, como são as três partes do estado, são as três partes da alma: a apetitiva, a irracível e a racional. Existe, portanto, correspondência perfeita entre as virtudes da cidade e as virtudes do individuo, o indivíduo é 'temperante' quando as partes inferiores da alma se harmonizam com a superior e a ela obedece; é forte ou corajoso quando à parte 'irascível' da alma sabe manter com firmeza os ditames da razão e em meio as adversidades; é 'sábio' quando a parte 'racional' da alma possui a ciência daquilo que é útil a todas as partes ( a ciência da Bem)..”
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Com isso, chegamos a seguinte definição da Justiça platônica, ela é uma justiça social, pois cada indivíduo deve fazer o bem em si e por suas consequências. Ou seja, só haverá justiça na Pólis se cada indivíduo desempenhar bem o seu papel ou sua função na comunidade, não cumprindo mais do que lhe é devido nem menos. Quanto a justiça do cidadão, será justo aquele que souber sintetizar todas as virtudes e cumprir com seus deveres dentro da Pólis15.
Outro ponto importante a se destacar na obra platônica é a questão da educação, ponto crucial na diversificações dos papeis de cada cidadão dentro da Pólis.
Para primeira classe dos artesãos, comerciantes ou agricultores, Platão alegava que não necessitava de educação especial, pois as artes e e os oficios eram facilmente aprendidos na prática.
Com relação a segunda os soldados necessitavam de exercitar-se, tanto a mente quanto o corpo. Por isso, o estudo das artes, da ginástica ( alimentação e exercícios simples) e da musica.
Para os governantes além destas deveria estar incluindo na educação a dialética. A arte própria do filósofo.
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Conclusão
A partir do estudo dos livros I,II e III da Republica já é possível, identificar alguns pontos importantes na concepção platônica de justiça.
Tendo à educação como base da orientação do homem, este irá desenvolver o poder de sintetizar as virtudes que lhe são próprias. Em outras palavras, agirá justamente. Porém, só será considerado um Homem Justo na comunidade. se somente se, desempenhar bem o papel que lhe cabe dentro da sociedade.
Então temos dois tipos de justiça, a saber, a justiça individual, que nada mais é, do o agir corretamente de acordo com sua consciência moral, bem como, a justiça social, que seria o bem por suas consequências, ou seja, fazer o bem aos outros cumprindo bem o seu papel dentro da sociedade perfeita.
Diante desse contexto, podemos concluir à platônica de justiça, como sendo uma Síntese de todas as virtudes, que o princípio que Platão nos apresenta é moral e não legal, visto que, para os gregos à legalidade está submetida à moralidade.
Referências Bibliográficas
PLATÃO A República [ou sobre a justiça diálogo político] / Platão;tradução Anna Lia de Amaral Oliveira Prado; revisão técnica e introdução Roberto Bolzani Filho.- São Paulo:Martin Fontes,2006.
REALE,GIOVANI História da Filosofia:Filosofia Pagã e Antiga. V .1/ Giovani Reale,Dário Antisere;[tradução Ivo Stomiolo].-São Paulo:Paulus,2003.
SILVA, KAREN FRANKLIN “Uma concepção de justiça em Platão e Rawls” Artigo publicado no v. 4, numero 1, Revista de Ética Phrónisis: Rio de janeiro, junho,2002
1A República 454 d
2A República 461b à 481a
3Pólo como todo sofista defende a regra da maioria, ou seja, “poder é um bem para quem possui”. Seguindo a linha de pensamento sofistico, Pólo acredita que o Homem é movido por paixões e como tal deve seguir seus instintos. Ou seja, é a teoria sofista de justiça retributiva.
4A República 477 d
5A República 331 c
6A República 331ac
7A República 331 e
8A República 454 d 331d
9Argumento do Mais Forte, segundo os sofistas o justo natural consiste, no mais forte assenhora-se pela força dos bens dos mais fracos e em os melhores governarem os que lhe são inferiores. Com isso Trasímaco retoma o argumento de Cálicles no Górgias.
10A República 347 a
11 SILVA Karen Franklin da Phrónisys revista de Filosofia no v. 4, numero 1, Revista de Ética Phrónisis: Rio de janeiro, junho,2002 p 41
12Alegoria do anel de Gizes de Platão, A Republica 359 c
13Glauco se refere as convenções, as leis da justiça legal.
14Giovani Reale e Antisere – História Da Filosofia Pagã e Antiga p 160
15A República 374 c
16A República 376 e à 377 a

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